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Os escravos que viviam em Guimarães na altura dos descobrimentos (Crónica-Paulo Freitas do Amaral)


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Desde que se iniciaram as conquistas e as descobertas portuguesas sempre houve pessoas de origem africana em Guimarães devido ao movimento de comércio de escravos internacional.


O mercado esclavagista era uma fonte de rendimento para a Coroa portuguesa e Guimarães não foi excepção na existência deste “comércio humano”, embora o assunto seja como uma “espécie de tabu” na actual sociedade portuguesa.


O mercado de escravos em Guimarães acontecia no átrio da Misericórdia e podemos verificar esta existência de escravos através de dois géneros de documentos; os registos dos doentes escravos que entravam no Hospital de Guimarães e também através das doações de escravos de vimaranenses com posses às irmandades religiosas.


Nas casas senhoriais de Guimarães era costume os escravos prestarem serviços domésticos ou então servirem de porteiros bem fardados com botões bem reluzentes de metal à entrada das quintas senhoriais, como forma de ostentação dos vimaranenses mais abonados financeiramente.


O preço de cada escravo variava, podemos constatar isso através de um registo de uma doação de quatro escravos (dois homens e duas mulheres) de um tal de Manuel Coelho de Figueiró à Misericórdia de Guimarães. Infelizmente, a mentalidade da época achava que as mulheres (pejadas), grávidas ou com filhos dependentes ainda bebés tinham um valor monetário superior


“idem hua preta chamada Rita e um filho de peito q. se rematou no pateo desta Santa Casa em preço de 28 moedas de ouro de 4.800, q. fazem a quantia de 134 400 rs e a rematou o reverendo conigo Pedro de leiva…”


“idem hu preto chamado João q. se rematou no pateo desta Santa (Casa) com preço de sessenta e dois mil e duzentos e a rematou o Reverendo, reitor de sande José Soares…”


“idem hua pretinha piquena chamada Marsela que se rematou no pateo desta Santa Casa com preço de catorze moedas pelo irmão Manoel José ourives e ao depois foram-lhe levar a casa e declarou que só daria pela sobredita preta corenta e oito e coatro centos e noventa rs.”(Arquivo da Misericórdia, códice – 85, folha 78)


Os compradores foram dois reverendos e um ourives. O clero na altura era um forte comprador de escravos para o trabalho agrícola das suas Irmandades.


As doações às Irmandades religiosas são também interessantes registos. No século XVII coube à Santa Casa um escravo em que foi deliberado aceitá-lo não auferindo salário até decisão em contrário. A ata da reunião de direcção reflecte o seguinte:


“Aos 18 de Março de 1666 anos nesta Santa Casa e despacho dela, foi proposto as esperanças que podia haver em o moço João Roiz, e reparando-se nelas, se lhe mandou dar vista….na forma que costumam andar os serventes desta Santa Casa; e se lhe não alvitrou salário porquanto é escravo…”


É também através de outro testamento, de João do Vale, morador na rua do Gado, que em dois de Abril de 1723 sabemos o seguinte:


“Tenho em meu poder os seguintes escravos a saber: Luís, o qual deixo a Santo António dos Capuchos desta vila, não para venderem, mas se servirem dele, como seu que fica para sempre, que conservando-o com boa doutrina, nunca desgostará aos ditos Padres Capucho…Teresa, mãe do dito e sua filha, deixo aos mesmos Reverendos Padres de Santo António para que as tenham enquanto elas viverem, à qual Teresa deixo cem mil reis, para que do seu rendimento…se possam alimentar, os quaes ela nunca verá em sua mão, mas sim por ordem dos Padres Capuchos…se ponham a juro para renderem para a dita Teresa, a qual deixo forra e a sua filha….” (João Lopes de Faria, Efemérides, S.M.S., Séculos dos Ms.)


Mas é também através dos registos dos hospitais que, como disse anteriormente, podemos ter a referência a negros, principalmente durante o Século XVIII na cidade de Guimarães, os quatro registos que aqui refiro têm também a descrição da roupa que os doentes possuíam quando entravam no Hospital:


1-“Salvador, preto forro, assistente em casa de Sebastião Navarro”

2-“Maria, preta forra, criada da Baixinha da Praça, entrou para se curar de edropsa, com capote preto e gibão de droga branca e mantea azul, velho”

3-“Esidoro António, mulato forro, assistente em casa do Reverendo Chamtre, com hua sobrecassaca azul em bom uso e calções de linho”

4-“Natália Maria de jesus, preta forra, a servir na casa de Francisco Xavier Gonçalves, estalajadeiro da rua da Fonte Nova, de Mata diabos (actual Rua de Santo António) com capote de baeta pardo, velho, e saias de camaleão brancacenta, com um lenço na cabeça e outro ao pescoço, com febre.


Nestes registos dos hospitais é evidente que os Senhores proprietários destes escravos custeavam os tratamentos quando estes adoeciam. Muito mais evidências de escravos em Guimarães existirão…Podemos achar que é um período mais negro mas que não nos impede de o estudar e conhecer melhor.


Paulo Freitas do Amaral – Licenciado e Pós Graduado em História

 
 
 

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