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O maior artista de arte sacra em Portugal no séc. XX, censurado pela esquerda após 1974

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António Lino, nascido em Guimarães, a cinquenta metros do castelo onde nasceu Portugal, foi o maior artista de arte sacra portuguesa do século XX. A sua vida e obra traduzem o que de mais profundo existe na alma nacional: a fusão entre fé, beleza e identidade. Pintor, desenhador, escultor, autor de mosaicos e vitrais, António Lino foi um artista total, herdeiro da grande tradição espiritual da arte europeia. Em cada uma dessas expressões revelou um domínio técnico e uma elevação interior raros. Nas suas esculturas o gesto humano é orante, nas suas pinturas o olhar é contemplativo, nos mosaicos e vitrais a luz torna-se teologia.

A sua obra espalhou-se por Portugal e pelo mundo, marcando lugares de espiritualidade e de vida pública. Na Terra Santa, uma Nossa Senhora da Oliveira perpetua o elo entre a devoção portuguesa e as raízes do cristianismo. Em Lisboa, na Cidade Universitária, as suas gravuras monumentais acolhem diariamente professores e alunos, símbolo silencioso da aliança entre saber e fé. Nos tribunais portugueses, as suas representações das Sete Obras de Misericórdia, como no Tribunal de Aveiro, recordam a todos os que julgam e decidem que a justiça humana deve inspirar-se na divina.

No coração do Estado português, os painéis sobre a Providência à entrada do Ministério da Segurança Social e da Solidariedade recebem há meio século ministros e funcionários, oferecendo uma catequese visual sobre o cuidado e a compaixão. São testemunhos de um tempo em que a arte pública ainda tinha alma e se punha ao serviço da virtude, não da propaganda. E nas igrejas de Braga, Coimbra, Viseu e Lisboa, os seus vitrais e mosaicos continuam a filtrar a luz com uma beleza que nenhum discurso ideológico consegue apagar.

O seu talento não se limitou às fronteiras nacionais. António Lino deixou também marcas no Vaticano, onde o seu nome foi respeitado e elogiado como exemplo da arte sacra moderna. O Estado Novo reconheceu-o como representante máximo da arte sacra portuguesa, título que o colocava entre os grandes criadores cristãos da Europa. Mas essa distinção, que deveria tê-lo eternizado, transformou-se na sua sentença cultural. Com o 25 de Abril de 1974, a nova elite artística e intelectual, dominada pela esquerda, não lhe perdoou o prestígio adquirido sob um regime que ainda via na fé uma forma de ordem e de identidade. António Lino foi apagado da memória oficial.

A censura que o silenciou foi tanto mais eficaz quanto mais discreta. Não houve proibição declarada, apenas o esquecimento. Os seus quadros deixaram de figurar nas exposições, os seus vitrais foram omitidos das histórias da arte, e o seu nome apagado dos programas académicos. A geração revolucionária quis fundar uma cultura sem raízes, onde o sagrado era suspeito e o belo era burguês. António Lino tornou-se incómodo por continuar a representar o invisível num tempo que só acreditava no imediato.

E, contudo, a sua presença sobreviveu. As suas obras continuam em espaços onde ninguém ousou removê-las — universidades, tribunais, ministérios, igrejas. Todos os dias, políticos, professores, alunos, advogados e juízes cruzam-se com o seu legado, sem saberem que estão perante um dos maiores artistas portugueses do século XX. Mas a história guardou ainda um episódio que parece escrito com a tinta trágica do destino. Nos finais da década de 1990, já depois da sua morte, a sua casa em Odivelas ardeu misteriosamente. Com ela desapareceram esboços, maquetas, estudos e talvez obras inéditas que nunca chegaram a ser mostradas. O fogo consumiu parte de um legado que o tempo ainda não tinha reconhecido. Terá sido um acidente? Um ato fortuito? Ou o último sinal de uma censura que, mesmo sem rosto, continua a queimar a memória dos que ousaram glorificar o divino? A dúvida permanece — e é talvez o mais cruel dos epitáfios.

A história de António Lino é, no fundo, a história de um país dividido entre a herança espiritual e a ânsia ideológica. Em nome da modernidade, apagou-se o sagrado; em nome da liberdade, cultivou-se o esquecimento. Mas o tempo corrige as injustiças. As suas obras continuam a falar, e nelas brilha a verdade de que a arte, quando é sincera, sobrevive a todos os regimes.


Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

 
 
 

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