Napoleão Bonaparte e Guimarães - Foi há 200 anos
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- 16 de mai. de 2021
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NAPOLEÃO E AS INVASÕES FRANCESAS ( Artigo de Álvaro Nunes)

Napoleão Bonaparte morreu há 200 anos, em 5 de Maio de 1821, na Ilha de Santa Helena, um espaço vulcânico descoberto pelo navegador galego João da Nova, ao serviço da coroa portuguesa. Bonaparte tinha na altura 51 anos e tudo leva a crer que, tal como o seu pai, falecera com um cancro no estômago.
Nascido a 15 de Agosto de 1979, em Ajaccio, na Córsega, filho do jurista e diplomata Carlo Maria di Buonaparte e de Maria Letzia Ramolina, oriunda de uma família aristocrata genovense, Napoleão é provavelmente o francês mais conhecido mundialmente e plausivelmente um dos mais contestados, não só na Europa como também entre os franceses.
Com efeito, Napoleão governou a França com mão de ferro entre 1799 e 1815, mostrando facetas díspares como de génio militar e estadista reformador, mas também déspota megalómano e defensor do esclavagismo e perseguidor dos direitos das mulheres. De facto, Napoleão reintroduziu a escravatura no império colonial francês, em 1802, após ela ter sido abolida oito anos antes; e, em 1804, no seu novo Código Civil, retiraria ao sexo feminino o direito ao divórcio por mútuo consentimento, que as mulheres haviam conquistado com a Revolução Francesa, 15 anos antes.
De facto, egocêntrico por natureza e experiente na arte de comunicar com sagacidade manipuladora, Napoleão sentia-se (quase) imortal ao ponto de afirmar que” a bala que me pode matar terá o meu nome” …
Porém, mais controversa que tudo seria a sua política imperial, e as suas guerras expansionistas, que levou a cabo na Europa e no Egito (1798-1799), que causaram cerca de três milhões de mortos, ocupações selvagens, pilhagens e outros comportamentos vergonhosos por parte dos franceses.
AS PRIMEIRAS INVASÕES
Ora, Portugal não escapou às invasões napoleónicas, entre 1807 e 1811. Três invasões francesas que se iniciaram em 19 de Novembro de 1807, na zona de Castelo Branco, sob o comando de Junot e que cerca de 10 dias depois alcançariam Lisboa. Uma situação decorrente da recusa portuguesa em impedir a entrada nos seus portos de navios ingleses e de aplicar o Bloqueio Continental imposto pelos franceses; crise que suscitaria ainda a fuga da rainha D. Maria I e do príncipe regente D. João para o Brasil, em 29 de Novembro de 1807.
Pois, Guimarães também não se livrou das invasões francesas, pelo que logo avançou em armar-se a sua defesa. De facto, como a vila de Guimarães era um experiente centro de cutelarias, facilmente seriam montados no terreiro das Dominicas grandes alpendres com forjas e bigornas, em que lado a lado trabalhavam ferreiros, cutileiros e espingardeiros forjando baionetas, alabardas, piques e concertando as espingardas.
Por sua vez, as mulheres “foram vistas com as suas próprias mãos armarem os seus irmãos e filhos; a pegar na espingardas e carregá-las, a afiar as espadas e metê-las nas mãos dos maridos (…) Foram vistas umas irem ao Senado e oferecerem as suas joias e enfeites preciosos; e em suas casas fundindo balas, e fazendo cartuchos; outras rasgando os seus finos lençóis e fazendo fios para os feridos, estas cozendo fornadas de pão com as suas criadas e mandando-o para o exército (…) as senhoras de suas casas, oferecendo, e dando, as suas cavalgaduras aos Eclesiásticos e aqueles que não podiam marchar a pé e todas unanimemente, como sexo pio, e devoto, orando para que sejam felizes as nossas armas”
Assim, na circunstância, formaram-se unidades militares, como a de Frei António Nunes, prior de S. Domingos, ou do Cabido de Nossa Senhora da Oliveira, comandada pelo coronel João Ribeiro de Abreu, às quais se juntariam muitos voluntários.
Paralelamente assomam também vozes críticas e discordantes como do frade dominicano Frei António Pacheco, cujos ecos de seus sermões chegariam aos ouvidos de Junot, que ordenaria a sua prisão. Todavia, como o corregedor de Guimarães não cumpriria a ordem, o frade acabaria por se alistar-se no exército de Freire Andrade, assumindo as funções de capelão e agente de ligação com as tropas inglesas.
Todavia, o frade seria ainda um contestatário crítico da Convenção de Sintra (1808), que marcou o fim da 1ª. invasão francesa, tendo contestado o facto do general britânico Dalrymple ter permitido a retirada dos franceses de Portugal sem devolverem o ouro e outros valores roubados nas suas pilhagens. Frei António Nunes distinguir-se-ia ainda como autor da “História Crítica dos franceses em Portugal durante os anos de 1807-1808 e 1809”, obra da qual transcrevemos várias citações sobre esses tempos.

A COLUNA DE GUIMARÃES
Outro nome de destaque nesta conjuntura sociopolítica é o do tenente-coronel Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, a quem foi conferida a patente de general e o comando da Coluna de Guimarães. Um exército improvisado, cujos soldados,” antes que marchem, vão rezar a Nossa Senhora da Oliveira, Padroeira do Reino, e de Guimarães.”
Uma coluna beligerante que pelo caminho em direção a Amarante, cresceria e engrossaria o seu cordão de povo armado, saído à rua ao som dos sinos a rebate das várias freguesias onde passava, nesses tempos quentes de Junho de 1808. Coluna que seguidamente avançaria até Mesão Frio, contra as tropas francesas do general Henri Loison, o famigerado e odioso “Maneta”, que posteriormente recuaria(m) para a Régua. Aí se travariam os primeiros combates, num dos quais o Capitão-mor Pimentel e Castro embosca o inimigo, matando vários oficiais franceses e ferindo o próprio Loison.
Porém, os franceses acabariam ainda por retirar para Lamego, perseguidos e acossados ao atravessar o Douro, deixando cavalos, ouro e prata roubadas e “mortos 14 dos seus soldados e 3 oficiais maiores, e outros cujo número não sabemos porque o povo raivoso os lançam ao rio Douro”.
Assim, entre os despojos ficaria também uma mala de marroquim do general Loison, contendo três fardas: uma permanece em Amarante em honra de S. Gonçalo, santo vimaranense e protetor dos minhotos; outra vem para a Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira; a terceira fica nas mãos de Frei do combatente, pregador António Pacheco, já anteriormente citado. Uma farda que seria espancada com um pau, na Igreja da Oliveira, durante a pregação de um sermão.
Depois, sucedem-se novas investidas e ciladas, num jogo do rato e do gato por terras de Entre Douro e Minho. Deste modo, as tropas de Guimarães guiadas pelos habitantes locais “encontram 4 franceses entre as vinhas repartindo os roubos da Régua e Peso (…). Caindo a multidão armada sobre eles matarão três e aprisionam um oficial inferior (que) fugindo com duas balas cravadas nos ombros alagado em sangue, mas caiu com uma foiçada que lhe deu um de Guimarães na cabeça”
Entrementes, a 23 de Junho, as tropas de Guimarães atingem Lamego, tendo o inimigo retirado. Então, “o povo de Guimarães, vendo que não podia ir mais longe na perseguição do inimigo, subiu aos altos cabeços (…) a ver fugir os adversários. E então soltavam grandes apupos e assobios”
A FESTA DA EXPULSÃO DOS FRANCESES
Como tal, em finais de Outubro de 1808, Guimarães celebra a restauração de Lisboa. Deste modo, para assinalar a expulsão dos franceses houve missa solene da Colegiada e ”saiu uma esplêndida procissão que percorreu as principais ruas da vila”, cerimónias comemorativas que o Padre António Caldas no seu livro “Guimarães” descreve minuciosamente, como esta passagem exemplifica:
“ Na noite do dia 30, no espaçoso Campo da Feira, houve o mais esplêndido e aparatoso espetáculo de fogo de vistas; subindo então ao ar imensos foguetes com diversas representações e muitas vistas alegóricas, entre as quais se representava um renhido combate entre portugueses e franceses, acabando estes por cair vencidos; voando finalmente pelos ares, sobre duas girândolas de fogo, os generais Junot e Loison.
À frente deste campo formou-se um grande palácio, e sobre ele um torreão nobre, no qual se representavam os retratos de Sua Majestades e Altezas: e na sua frente avultava um grande quadro, que ardendo de repente, deixava ver em letras bem distintas este dístico: Vivaa família real de Bragança! Viva! Viva!”
A 4 de Novembro ocorreriam ainda as solenes exéquias pelo eterno descanso dos que morreram no campo da batalha, bem como se distribuiriam muitas esmolas aos presos, pobres entrevados e mais indigentes da vila, à custa do D. prior e cabido.
AS NOVAS INVASÕES
No entanto, apesar da derrota, os franceses não desistiriam e voltariam, em 1809, no mês de Março, avançando com uma divisão de cavalaria de Franchesi para ocupar Guimarães, cujas populações enterravam ou escondiam os seus haveres mais preciosos. Data dessa altura a ocupação do Porto, a 29 de Março e o terrível desastre da Ponte das Barcas, que cederia sob o peso da multidão em fuga.
Efetivamente, em 20 de Março, os franceses estão às portas de Guimarães, acampados em S. Martinho de Sande, onde fuzilam vários populares insurretos. E em 23 de Março uma das colunas comandada pelo general La Houssaye entra em Guimarães com cerca de 4 mil homens. Na altura acabam por roubar todo o tesouro da Igreja de S.Pedro, que fora escondido à pressa em S. Salvador de Pinheiro seria descoberto. Porém, acabam por passar despercebida cruz processional da Igreja de S. Miguel, escondida numa arca de cereais, bem como algumas peças preciosas patrimoniais da Colegiada que são enegrecidas e disfarçadas, iludindo os franceses.
Ainda, ao que consta, “no dia 13 de maio do dito ano, teriam entrado na igreja de S. Pedro, em que encheram toda a Igreja de cavalos, como também a sacristia, e levaram vários ornamentos e toalhas e foram ao sacrário e quebraram o santo lenho (…). Os altares apareceram cheios de milho e também toucinho (…) e o supedâneo onde se sentam os Padres às missas cantadas cheios de cinzas e carvões, que aí cozinharam”.
De facto dois meses depois, os franceses acabariam por sofrer novas e pesadas baixas na ponte de Amarante e são obrigados à retirada. Passam então novamente por Guimarães a 13 e 14 de maio, em fuga para Espanha, deixando sempre um rastro destruição por onde passavam. Assim seria, com efeito, na zona dos Couros, local onde ateariam fogo a vários estabelecimentos, já perseguidos pela cavalaria de Sir Murray que em 15 de Maio
Mas, até ao fim das guerras napoleónicas, esta seria a última vez que se meteriam com as gentes do Minho, com muitos deles (definitivamente) a serem mandados para o maneta …
Outrossim, a 3ª. invasão francesa (1810-1811), sob o comando de Massena, que rumaria a Lisboa, acabaria igualmente por sofrer imensas perdas na batalha do Buçaco e deparar-se-ia com as fortes Linhas de Torres, defesas construídas por iniciativa de Wellington. Os intentos dos franceses seriam assim gorados, mas o país ficaria despedaçado economicamente e patrimonialmente delapidado. Portugal livrava-se dos franceses, mas permanecia controlado pelos ingleses, em especial quanto ao comércio com o Brasil …





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