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O mosaico de Santa Sofia onde o poder terreno se curva diante do sagrado

Este mosaico, situado no tímpano da entrada sul de Santa Sofia, remonta ao século X, tendo sido provavelmente executado por ocasião da restauração promovida durante o reinado de Basílio II. Alguns estudiosos associam a sua criação a festejos políticos como o recuo das forças russas de Constantinopla em 971 ou a derrota dos búlgaros por Basil em 1018
Este mosaico, situado no tímpano da entrada sul de Santa Sofia, remonta ao século X, tendo sido provavelmente executado por ocasião da restauração promovida durante o reinado de Basílio II. Alguns estudiosos associam a sua criação a festejos políticos como o recuo das forças russas de Constantinopla em 971 ou a derrota dos búlgaros por Basil em 1018

Nas galerias superiores da antiga basílica de Santa Sofia, em Istambul, encontra-se um dos testemunhos mais expressivos do encontro entre o poder político e a transcendência religiosa. Trata-se do célebre mosaico onde a Virgem Maria, sentada no trono com o Menino ao colo, recebe as ofertas de dois imperadores bizantinos. À esquerda, Constantino apresenta a cidade que fundou, Constantinopla. À direita, Justiniano entrega a igreja monumental que erguera como símbolo da fé cristã e da glória imperial.

O mosaico, datado do século X, foi executado já depois do fim da crise iconoclasta que abalara Bizâncio durante mais de um século. Nesse período, a destruição sistemática de imagens religiosas dividiu o império entre defensores e opositores da veneração de ícones. O regresso da arte sacra à basílica não foi apenas um gesto estético, mas sobretudo uma afirmação de ortodoxia e de continuidade. Ao colocar a Mãe de Deus como figura central, rodeada pelos dois maiores construtores da cidade, o império declarava-se herdeiro de uma tradição inquebrantável, unindo passado fundador e presente glorioso.

A escolha de Constantino e Justiniano não foi casual. Constantino, que transformara Bizâncio em Nova Roma, era lembrado como o primeiro imperador cristão, o visionário que dera à fé um trono no coração do império. Justiniano, por sua vez, representava a magnificência arquitetónica e jurídica, o soberano que edificara Santa Sofia e codificara as leis que moldariam a civilização europeia. Ambos surgem em atitude de humildade, oferecendo as suas maiores realizações à intercessão da Mãe de Cristo.

O simbolismo é claro. O poder imperial, que na terra se pretendia absoluto, curvava-se diante da autoridade espiritual. A cidade e a basílica, pilares da identidade bizantina, apareciam como dádivas humanas submetidas ao desígnio divino. Nessa imagem, eternizada em tesselas douradas e azuis, o espectador sente a fusão entre política e religião que caracterizou Bizâncio: a noção de que a capital e a igreja não pertenciam apenas ao imperador, mas eram património da fé universal.

Hoje, ao percorrer as galerias de Santa Sofia, entre o fulgor bizantino e as inscrições islâmicas que testemunham séculos de transformação, o visitante encontra nesse mosaico a síntese da história de Constantinopla. Cidade entregue à Virgem pela mão do seu fundador e a igreja oferecida como jóia da cristandade, recordando que o destino de impérios e monumentos só se cumpre quando se reconhece o que os transcende.


Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

 
 
 

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