O destino dos Doze Apóstolos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo: entre história e tradição
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Após a morte e a fé na ressurreição de Jesus Cristo, os Doze Apóstolos assumiram um papel decisivo na formação das primeiras comunidades cristãs. As fontes historicamente mais seguras são o Novo Testamento, sobretudo os Atos dos Apóstolos, complementadas por autores do século I e II, como Flávio Josefo, Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Papias de Hierápolis e Eusébio de Cesareia. Para muitos apóstolos, porém, o destino final pertence mais ao domínio da tradição do que da história comprovável.
Pedro surge nas fontes como figura central da Igreja primitiva. Os Atos apresentam-no ativo em Jerusalém e na Judeia, e a Primeira Carta de Clemente sugere a sua morte violenta. A presença de Pedro em Roma e o seu martírio durante a perseguição de Nero, por volta de 64, são sustentados por uma tradição antiga e amplamente aceite, ainda que não diretamente comprovada por fontes contemporâneas romanas. A crucificação de cabeça para baixo pertence já a uma tradição posterior.
André, irmão de Pedro, não é seguido pelos Atos. As informações sobre a sua missão no Ponto, na Trácia e na Grécia provêm de tradições do século II e III. O martírio em Patras, numa cruz em forma de X, faz parte da tradição hagiográfica, embora a sua morte violenta seja considerada plausível.
Tiago Maior é o único apóstolo cujo martírio é claramente atestado no Novo Testamento. Segundo Atos 12, foi executado em Jerusalém por ordem de Herodes Agripa I, cerca do ano 44. A associação de Tiago à Hispânia e a Santiago de Compostela pertence a uma tradição medieval, sem base documental antiga.
João apresenta um perfil distinto. As fontes mais antigas indicam a sua presença prolongada na Ásia Menor, particularmente em Éfeso. Eusébio refere o seu exílio em Patmos durante o reinado de Domiciano. A morte natural em idade avançada é considerada historicamente plausível, embora os textos sobre a sua autoria literária sejam objeto de debate académico.
Filipe é associado pela tradição antiga à Frígia. Papias de Hierápolis menciona a sua morte em Hierápolis, informação que Eusébio preserva. O tipo exato de martírio permanece incerto.
Bartolomeu, frequentemente identificado com Natanael, é ligado a missões no Oriente. As tradições sobre a Arménia, Mesopotâmia ou Índia são tardias e divergentes. O martírio por esfolamento é uma elaboração hagiográfica posterior, ainda que a sua morte violenta seja aceite pela tradição cristã.
Tomé é um caso singular. Fontes sírias e a tradição das comunidades cristãs da Índia atribuem-lhe a evangelização do sul do subcontinente indiano. Embora não existam provas arqueológicas diretas do século I, esta tradição é antiga e coerente. A sua morte como mártir em Mylapore é considerada plausível, mas não comprovada.
Mateus, antigo publicano, tem um destino particularmente incerto. As tradições oscilam entre a Etiópia, a Pérsia e outras regiões orientais. Não existe consenso histórico sobre o local nem sobre a forma da sua morte.
Tiago Menor, identificado como líder da comunidade de Jerusalém, é mencionado por Flávio Josefo como tendo sido executado por apedrejamento por ordem do sumo sacerdote Ananus, por volta do ano 62. Esta é uma das referências extra-bíblicas mais sólidas sobre um apóstolo.
Judas Tadeu aparece associado a missões na Síria e Mesopotâmia. A tradição do seu martírio na Pérsia, frequentemente em conjunto com Simão, pertence a relatos tardios e carece de confirmação independente.
Simão, chamado o Zelota, é um dos apóstolos mais obscuros do ponto de vista histórico. As tradições sobre a sua atividade missionária e martírio são contraditórias e de origem tardia, não permitindo conclusões seguras.
Judas Iscariotes, segundo os Evangelhos e os Atos, suicidou-se após a traição de Jesus, sendo substituído por Matias. Este último não pertence ao grupo original dos Doze durante a vida de Jesus, e o seu destino final também é conhecido apenas através de tradições posteriores.
O destino dos apóstolos revela a rápida expansão do cristianismo nascente, mas também os limites da investigação histórica. Entre fontes seguras, testemunhos indiretos e tradições devocionais, a história dos Doze exige uma leitura crítica, respeitando tanto os dados documentais como o contexto religioso em que essas memórias foram transmitidas.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor





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