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O homem que tentou matar Salazar. Emídio Santana e a bomba da Avenida Barbosa du Bocage

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Entre as figuras que marcaram a oposição ao Estado Novo, destaca-se o nome de Emídio Santana, anarquista português nascido em 1898. Desde cedo envolvido no movimento sindical e em organizações revolucionárias, viria a ficar para a História como o autor material do mais conhecido atentado contra António de Oliveira Salazar.

O episódio teve lugar em 4 de julho de 1937, na Avenida Barbosa du Bocage, em Lisboa. O plano consistia em lançar um engenho explosivo contra o automóvel onde seguia o Presidente do Conselho. A operação, contudo, falhou: a bomba atingiu outro veículo, matando dois transeuntes e ferindo vários inocentes. Salazar escapou ileso. O resultado foi desastroso, não apenas pela tragédia humana, mas também porque permitiu ao regime reforçar a propaganda em torno da figura do chefe de Governo, retratado como intocável e protegido da violência dos seus inimigos.

O engenho utilizado foi preparado de forma artesanal, com recurso a dinamite, pólvora e um sistema rudimentar de ativação cronometrada. A intenção era que a explosão ocorresse precisamente no momento em que a viatura oficial passasse, mas a execução revelou-se imprecisa. O lançamento do artefacto a partir de um automóvel em movimento, aliado à escassa experiência técnica dos conspiradores, acabou por determinar o fracasso.

Outro detalhe curioso prende-se com a escolha do local. A Avenida Barbosa du Bocage foi selecionada por ser uma zona de passagem frequente de Salazar, sem grande aparato de segurança visível. Contudo, à data, a rotina do ditador era relativamente imprevisível e os seus deslocamentos faziam-se em carros comuns, sem blindagem ou escoltas ostensivas. Esse fator, longe de facilitar a conspiração, criou margem para erros de cálculo que se revelaram fatais para o plano.

Após o atentado, Emídio Santana conseguiu fugir para o estrangeiro, circulando por vários países da Europa. Contudo, em 1940, foi detido pela Scotland Yard em Londres, quando Portugal era oficialmente neutral mas aliado estratégico da Grã-Bretanha. Extraditado, foi entregue à PVDE e condenado a uma longa pena de prisão. Cumpriu mais de duas décadas atrás das grades, primeiro no Aljube e depois em Peniche, só sendo libertado em 1969, já sob o governo de Marcello Caetano.

De regresso à liberdade, assistiu ao fim do Estado Novo e à Revolução de 25 de Abril de 1974, vivendo os últimos anos em relativo anonimato. Faleceu em 1982, em Lisboa, já num país democrático.

A trajetória de Emídio Santana é indissociável da clandestinidade e da radicalização política da época. O atentado de 1937 permanece como um marco na história da resistência violenta ao Estado Novo, recordado tanto pela sua audácia como pelo fracasso e pelas consequências imediatas. Mais do que derrubar o regime, o ato acabou por servir de argumento à máquina de propaganda salazarista, que soube explorar o erro para consolidar a imagem do ditador.


Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

 
 
 

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