Luís Homem, o primeiro correio-mor de D. Manuel I
- correio_da_historia

- 24 de ago.
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Há figuras discretas que moldam o curso da História sem nunca subirem ao pedestal da glória. Uma dessas sombras, decisiva e quase esquecida, chama-se Luís Homem. Foi ele o primeiro correio-mor de Portugal, nomeado por D. Manuel I, o rei que fez do império um oceano.
Não era almirante nem navegador, mas sem ele Vasco da Gama seria apenas um marinheiro distante, Cabral um rumor em carta, e as Índias ficariam mais longínquas do que já eram. Luís Homem organizou a comunicação do reino no tempo em que a palavra escrita tinha o peso do destino.
Antes da sua ação, Portugal estava sujeito à lentidão feudal das mensagens levadas a cavalo, sem rede regular, sujeitas ao acaso dos caminhos. Com Luís Homem, instituiu-se uma verdadeira máquina de circulação de ordens, instruções e notícias, essencial à governação de um rei que comandava terras de Lisboa a Goa, de Ceuta ao Brasil. Foi um ato de centralização, um golpe de modernidade e, ao mesmo tempo, de controlo político.
O correio-mor não era apenas um funcionário. Era um magistrado do segredo. Passavam pelas suas mãos cartas régias, avisos diplomáticos, relatos de vitórias e de derrotas. O silêncio era tão valioso quanto a velocidade. Quem dominava o correio controlava o pulso do reino — uma lição antiga que ainda hoje as democracias fingem não aprender, entregando a comunicação ao caos digital, como se a palavra não fosse ainda poder.
Luís Homem serve-nos de metáfora: o império português começou não só com caravelas, mas também com uma rede de confiança, de papel e tinta, que garantia que a vontade do monarca atravessava distâncias sem se perder. O mundo moderno não nasceu apenas com pólvora e comércio, mas com mensagens a chegar a horas certas.
E, no entanto, onde está Luís Homem na memória nacional? Esquecido nos compêndios, soterrado sob as páginas dos grandes feitos marítimos, reduzido a nota de rodapé na genealogia das instituições. Este esquecimento é, em si, uma lição amarga: um país que não valoriza os que asseguram a ligação entre centro e periferia, entre autoridade e povo, repete erros. A descoordenação, a lentidão, o improviso são hoje os novos cavaleiros andantes que substituem o serviço regular de correio pela cacofonia das redes sociais.
Ao recordarmos Luís Homem, não celebramos apenas um homem do seu tempo. A sua função recorda-nos que a política e a História não sobrevivem sem estrutura, sem ordem, sem confiança. Um império, um Estado ou uma democracia começam sempre pela capacidade de comunicar com clareza, rapidez e segurança.
No tempo de D. Manuel, um correio-mor era a garantia de que o país falava a uma só voz. No nosso tempo, talvez precisássemos de um novo Luís Homem — não para levar cartas a cavalo, mas para devolver às palavras a dignidade que perderam no caminho.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor





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