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Gulbenkian em Portugal: o exílio fecundo de um visionário

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A história de Portugal do século XX está marcada pela chegada de homens e mulheres que, vindos de fora, encontraram aqui um porto seguro e acabaram por deixar uma herança duradoura. Entre eles, nenhum é tão decisivo como Calouste Sarkis Gulbenkian. Nascido em 1869, em Scutari, no Império Otomano, Gulbenkian cedo se tornou cidadão do mundo: estudou em Marselha e Londres, fez fortuna em negócios petrolíferos no Médio Oriente e, por décadas, circulou entre capitais europeias como Paris e Londres, sempre na sombra, como o próprio gostava de dizer, “o senhor cinco por cento” das grandes companhias petrolíferas.

A Segunda Guerra Mundial empurrou-o para o exílio. Desenraizado, procurava estabilidade, segurança e discrição — qualidades raras num continente em guerra. Foi nesse contexto que Portugal, neutral sob Salazar, surgiu como refúgio. Em 1942, instala-se em Lisboa. Vive primeiro no Hotel Aviz, depois na Avenida Berna, e finalmente encontra em Portugal não apenas asilo, mas a paz necessária para pensar o futuro da sua imensa fortuna.

A vida lisboeta de Gulbenkian foi discreta, quase invisível. Preferia a intimidade ao brilho, os salões restritos ao espaço público. No entanto, nunca esteve desligado da cultura. Colecionador obsessivo, juntara ao longo da vida um acervo único: arte egípcia, greco-romana, islâmica, renascentista, barroca, impressionista. Um museu em potência, guardado em cofres e armazéns, à espera de destino. É em Lisboa, longe dos tumultos do mundo, que amadurece a ideia de perpetuar essa obra.

Morre em 1955, mas o gesto maior só então se cumpre. A Fundação Calouste Gulbenkian, criada por testamento, ergue-se em Lisboa como um verdadeiro templo da cultura moderna. Biblioteca, auditório, museu, jardins — tudo respira a sua visão de que a riqueza não deve ser apenas um bem privado, mas uma fonte de bem comum. Portugal, que fora terra de passagem, tornou-se destino final e pátria adotiva de um homem que não era português, mas que acabou por deixar a Portugal uma das suas mais sólidas instituições culturais.

A vida de Gulbenkian em Portugal ensina-nos que a grandeza pode nascer do exílio. Ele, que fora estrangeiro em tantas terras, aqui encontrou repouso. E nós, herdeiros da sua generosidade, descobrimos que a identidade de um país também se constrói a partir do legado daqueles que, vindos de longe, decidem nele confiar.


Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

 
 
 

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