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Cidade perdida emerge das águas de Alexandria

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Há momentos em que a História se revela com a força de um renascimento. O Egito acaba de recuperar, do fundo do mar, vestígios de uma cidade submersa há dois mil anos. A operação decorreu na Baía de Abu Qir, nas imediações de Alexandria, e trouxe à luz estátuas monumentais, edifícios de pedra calcária, moedas romanas e uma esfinge com o cartucho de Ramsés II. Os achados pertencem à antiga Canopus, cidade célebre no período helenístico e romano, que acabou tragada por tremores de terra e pela lenta invasão das águas.

A cidade agora reencontrada foi um dos grandes centros culturais e religiosos do Egito ptolomaico. Canopus era conhecida pelos seus templos dedicados a Serápis e Ísis, atraía peregrinos vindos de todo o Mediterrâneo e funcionava como lugar de encontro entre o mundo grego e a tradição faraónica. O que os arqueólogos recuperaram confirma a vitalidade dessa urbe cosmopolita. Um cais com 125 metros de extensão, um guindaste portuário e reservatórios escavados em rocha permitem imaginar a intensidade do comércio que ali se praticava.

O que mais surpreende é a preservação. Estátuas de granito com traços gregos e bustos romanos, mas também símbolos egípcios antigos, revelam a convivência de culturas que caracterizou a Alexandria dos Ptolemeus. Uma estátua decapitada de mais de dois metros, bases ornamentadas de moinhos e figuras de sacerdotes transportam-nos para um tempo em que o Egito se abria ao mundo mediterrânico sem perder a sua identidade.

Os objetos estão em processo de restauro e serão exibidos no Museu Nacional de Alexandria na exposição Segredos das Cidades Submersas. Esta será a primeira mostra resultante de uma escavação oficial desde que o Egito aderiu à Convenção da UNESCO para a Proteção do Património Cultural Subaquático. A decisão de resgatar as peças marca um novo momento na arqueologia egípcia e na forma como se relaciona com o seu passado submerso.

A descoberta não se esgota no fascínio do que regressa à superfície. É também um aviso para o presente. Alexandria afunda-se em média três milímetros por ano, as águas do Mediterrâneo avançam e os cientistas alertam que um terço da cidade poderá ficar submerso ou inabitável até 2050. O destino que condenou Canopus há dois mil anos ameaça hoje a herança moderna da própria Alexandria.

Reencontrar Canopus é recuperar uma parte essencial da memória do Egito e do Mediterrâneo. É também compreender a vulnerabilidade das cidades costeiras que, como outrora, vivem entre o esplendor da civilização e a ameaça silenciosa do mar.


Paulo Freitas do Amaral 

Professor, Historiador e Autor 

 
 
 

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