Chinelos romanos descobertos na Sicília

Arqueólogos italianos encontraram em Piazza Armerina, na Sicília, um mosaico romano que surpreende pela atualidade do seu desenho. Gravadas na pedra há cerca de 1600 anos, surgem sandálias de traço simples e elegante que, à primeira vista, poderiam ser confundidas com chinelos modernos de praia.

A descoberta foi feita na Villa Romana del Casale, um dos mais ricos complexos residenciais do Império, célebre pelos seus mosaicos que cobrem mais de três mil metros quadrados. Construída no século IV d.C., esta villa era propriedade de uma família aristocrática, talvez ligada à corte imperial, e revela a sofisticação de uma elite que conjugava poder, luxo e cultura.

As sandálias aparecem na zona termal, espaço de cuidados corporais e de convivência social. Aqui, onde o banho não era apenas higiene mas também ritual e afirmação de estatuto, o calçado tinha papel prático e simbólico. O mosaico deixa ver tiras que se cruzam sobre o pé, quase como nos modelos que continuam a encher as ruas e praias do Mediterrâneo.

A surpresa, contudo, não está apenas na semelhança estética. É a consciência de que a história da moda e da vida quotidiana se faz de continuidades discretas. O que julgamos invenção recente é, afinal, memória antiga. Ao olhar para aquelas pedras minuciosamente ajustadas, percebe-se que o gosto pela simplicidade funcional atravessa séculos, ligando a Roma imperial ao nosso tempo.

O achado ganha ainda maior relevo por integrar uma composição que inclui inscrições e colunas ornamentadas, confirmando o estatuto artístico da villa e a mestria dos seus artesãos. Cada detalhe reforça a ideia de que o mosaico era mais do que decoração: era linguagem, testemunho de uma cultura que falava através das imagens e dos símbolos do quotidiano.

A redescoberta destes chinelos romanos é também convite à humildade histórica. Lembra-nos que não somos tão originais quanto imaginamos, que a criatividade humana reaparece em ciclos e que a vida dos antigos guarda paralelos inesperados com a nossa. Se hoje passamos pelo verão calçados de chinelas, é porque, de algum modo, continuamos a percorrer os caminhos traçados por Roma.

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor