As omissões do currículo de História no ensino público
- correio_da_historia

- 4 de dez.
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Há algo profundamente errado na forma como a História é ensinada no ensino público português. Não é um problema novo mas tornou-se demasiado evidente para continuar a ser ignorado. O currículo atual rompe qualquer lógica cronológica coerente, força repetições desnecessárias e cria autênticos buracos negros no conhecimento dos alunos. Se a História é uma narrativa contínua, o programa insiste em contá-la como se fosse um mosaico partido, onde cada peça aparece deslocada, sem ordem e sem sentido.
O caso mais gritante é o do 7.º ano. Em vez de consolidar a passagem natural da Antiguidade para a Idade Média os alunos são atirados para um amontoado de épocas que vão da Pré-História à Idade Moderna como se nada distinguisse milhares de anos de evolução humana. Repete-se conteúdo já abordado no 5.º e no 6.º ano, mas sem aprofundar nada de essencial. Não se desenvolvem temas novos, não se exploram processos históricos com rigor, não se criam ligações reais entre períodos. É História servida como um buffet desordenado: o aluno escolhe um pouco de cada prato sem perceber a receita de nenhum.
Depois chega-se ao 8.º ano e tudo muda. Finalmente há coerência, mas à custa de amputar outras épocas. Só se leciona Idade Moderna. O 9.º ano continua essa lógica com a Idade Contemporânea e fá-lo bem. Mas o problema já está criado: falta a ponte, falta a evolução, falta a linhagem que liga a queda de Roma às sociedades modernas. O currículo não permite que o aluno perceba como o mundo se transformou ao longo de mais de dez séculos decisivos.
O absurdo atinge o auge no 10.º ano. Num currículo que deveria consolidar bases e preparar o aluno para análises complexas, o programa cria outro vazio histórico entre os séculos V e X. A transição do mundo romano para a Europa medieval é tratada como um detalhe dispensável, quase irrelevante. A conversão dos povos bárbaros, a formação dos novos reinos, o surgimento das estruturas feudais, o impacto cultural e religioso deste período são praticamente ignorados. É como tentar explicar a Idade Moderna sem falar do Renascimento ou compreender o século XX sem mencionar as revoluções industriais.
A História precisa de continuidade para fazer sentido. Precisa de uma lógica sequencial que permita perceber causas, consequências, permanências e ruturas. O currículo atual quebra essa linha várias vezes, trata a História como capítulos soltos, desconexos. O resultado é previsível: alunos que sabem datas soltas mas não compreendem processos, que decoram nomes mas não percebem transformações, que aprendem fragmentos em vez de narrativas.
Reformar o currículo não é um capricho académico, é uma necessidade educativa urgente. A História é o mapa que permite compreender o presente. E um mapa incompleto ou mal desenhado deixa qualquer viajante perdido. Hoje muitos alunos percorrem a História como quem atravessa uma cidade às escuras, sem ruas ligadas entre si. É tempo de devolver ao ensino aquilo que lhe falta: continuidade, articulação e sentido.
Paulo Freitas do Amaral
professor, Historiador e Autor





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